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Joe Sacco, Charlie Hebdo e essa tal liberdade de expressão…

Sacco on Hebdo

Desde que o massacre de Paris aconteceu, o primeiro tiro de reação, principalmente da grande mídia, foi colocar a liberdade de expressão sob sua tutela, como uma refugiada correndo risco de morrer a qualquer instante. E, pra variar, o debate se ancorou por aí. Particularmente, ainda estou procurando uma relação direta entre uma agressão injustificável e o direito de expressão. Não me aparece em qualquer viés que o livre discurso esteja em risco, parece mais que a necessidade da afirmação de certas idéias é que de fato estão.
A capa dessa semana do Charlie parece isso, uma necessidade de não se render a um outro ponto de vista, que lhe garanta o direito de ofender. Sem fazer coro com aqueles que entortaram ainda mais a questão e pintaram o Charlie Hebdo de racista, xenófobo e etc… ainda me pergunto: qual a necessidade de insistir em travar uma cruzada, intransigente, agressiva e depreciativa contra um ideário distinto? Não a toa algumas figurinhas daqui se agilizaram em comparar-se aos cartunistas assassinados e adotaram a liberdade de imprensa como criança abandonada, afinal, o discurso é o mesmo dos franceses.
Acreditar que a liberdade do mundo todo está ameaçada por um punhado de loucos é insano, é como autorizar uma nova cruzada contra os islã. Grupos extremistas existem, suas mortes também, mas sua ameaça global não. Sua religião agora foi tornada algoz da liberdade como se não houvesse pelo menos mil anos de história política nesse meio campo. É mais fácil calar do que compreender, foi assim que agiram os malucos dos fuzis. Agora, troque calar por fazer chacota, dá no mesmo.
Esse episódio ainda não acabou, ele só inaugurou o ano, ainda tem muito o que falar e pensar sobre ele. Mas pra arrematar ao menos o sentimento que me causa, Joe Sacco, cartunista que reportou a Palestina em quadrinhos, sintetizou qual o sentimento mais enaltecido nesses dias de sangue: a ignorância. Segue aí o quadrinho e a tradução tradução logo abaixo.

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SOBRE A SÁTIRA – por Joe Sacco

Minha primeira reação aos assassinatos no escritório do Charlie Hebdo em Paris não foi de uma provocação audaciosa. Não me deu vontade de sair por aí batendo em peito e reafirmando os princípios da liberdade de expressão.

Minha primeira reação foi de tristeza. Pessoas foram brutalmente mortas, dentre elas diversos cartunistas – minha tribo.

Mas junto com o pesar vieram pensamentos sobre a natureza de algumas sátiras do Charlie Hebdo. Enquanto pentelhar os muçulmanos possa ser tão permissível quanto cremos ser perigoso atualmente, nunca me pareceu como nada mais do que uma maneira insípida de usar a caneta.

Será que eu posso brincar disso também? Claro, eu poderia desenhar um homem negro caindo de uma árvore com uma banana em uma das mãos – na verdade, eu acabei de fazer isso. Eu tenho a permissão para ofender, certo?

Incidentalmente, você sabia que o Charlie Hebdo demitiu um jornalista – Maurice Sinet, procure por ele – por supostamente escrever uma coluna antissemita?

Então, com isso em mente, aqui está um judeu contando dinheiro nas entranhas da classe trabalhadora. E se você consegue entender a ‘piada’ agora, ela teria sido tão engraçada assim em 1933?

Na verdade, quando a gente ‘desenha uma linha’, estamos ‘cruzando’ outra também. Porque linhas em um papel são uma arma, e a sátira deve cortar na carne. Mas na carne de quem? E qual é exatamente o alvo? E por quê?

Sim, eu confirmo nosso direito de “tirar sarro” – então eis um desenho gratuito de um autêntico fiel fazendo o trabalho de Deus no deserto. Mas talvez quando a gente se cansar de andar por aí com o dedo indicador em riste possamos pensar no por quê do mundo estar do jeito que está.

E no que acontece com o muçulmanos neste nosso tempo e lugar que faz com eles não consigam desencanar de uma simples imagem.

E se a gente responder “Porque existe algo fundamentalmente errado com eles”- certamente existia algo fundamentalmente errado com os assassinos – então deixem-nos leva-los das casas deles até o mar… porque isso seria bem mais fácil do que ficar decidindo como poderíamos encaixar-nos uns nos mundos dos outros.

Roubado lá do Trabalho Sujo

Taking the piss: o quadrinho do Banksy

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Em 2005 Bansky lançou um livro, Cut It Out. Entre textos, trampos e fotos, havia um manifesto contra a publicidade ganhou notoriedade.
Essa semana, a galera do Zen Pencils, que faz quadrinhos com frases celebres, catou o manifesto do Banksy e o transformou em quadrinhos e o resultado segue aí…

A tradução do manifesto segue lá embaixo e se vc quiser o livro, cata aqui!

Banksy - Zen Pencils

Há pessoas tirando onda com sua cara diariamente. Elas se metem na sua vida, dão um golpe baixo e logo desaparecem. Elas te espreitam de cima de edifícios altos, fazendo com que você se sinta pequeno. Elas te provocam dentro do ônibus, insinuando que você não é suficientemente sexy e que toda diversão está rolando em outro lugar. Elas estão na televisão, fazendo sua namorada se sentir insegura com suas imperfeições. Elas têm acesso à mais sofisticada tecnologia que o mundo já viu e te intimidam com isso. São os “Anunciantes” e estão rindo de você.

Você, contudo, é proibido de tocá-los. Marcas registradas, direitos de propriedade intelectual e leis de copyright significam que anunciantes maldosos podem dizer o que quiserem, onde quiserem, com total impunidade.

Que se fodam. Qualquer anúncio em espaço público, que não dê a você a opção de vê-lo ou não vê-lo, lhe pertence. É todo seu, para pegar, reorganizar e reutilizar. Você pode fazer o que quiser com ele. Pedir permissão é como pedir para guardar uma pedra que alguém acabou de jogar na sua cabeça.

Você não deve nada às empresas. Deve menos do que nada; em especial, vocês não lhes deve gentileza alguma. Elas devem a você. Elas reorganizaram o mundo para se colocarem na sua frente. Nunca lhe pediram permissão; nem pense em lhes pedir a sua.

(tradução: Kika Serra e Francisco Corrêa)

HIATO: um documentário sobre o primeiro rolezinho em 2000

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Em agosto de 2000 um grupo de manifestantes organizou uma ocupação em um grande shopping da zona sul carioca. Em 2008 o diretor Vladimir Seixas reencontrou os sem teto que organizaram o rolê de mais de duas mil pessoas. Com entrevistas e imagens da cobertura feita pela TV, HIATO taí pra mostrar que rolezinho não é novidade e preconceito também não.
Há uma diferença nos objetivos dos eventos de 2000 e dos atuais, mas não tem como negar que o efeito é o mesmo. Enquanto o primeiro foi um recado, o segundo é a tomada do espaço. Não dá pra esquecer que os rolezinhos começaram a ser organizados porque os bailes funis foram proibidos. É sempre uma resposta.
Impossível não comparar o rolezinho com o Occupy Wall Street, ambos são violentos por serem pacíficos, porque não infringem as regras, exceto as regras invisíveis da discriminação.

PS.: O quadro do Angeli ali em cima foi na veia, né não?!

Obama, um filme de Steven Spielberg

Obama by Terry Richardson

E se a vida de Barack Obama virasse filme, dirigido por Steven Spielberg e protagonizado por Daniel Day Lewis? Foi nessa que o Telegraph deu uma zoada no mês passado. O vídeo já é antiguinho pros padrões web, mas como este blog estava em recesso e blá blá blá… Mas é que na mesma semana em que esse vídeo apareceu, rolou uma “notícia”, meio trash meio fake, de que o Aécio Neves estaria sondando o Ronaldo Fenômeno para ser seu vice numa chapa para a presidência da república em 2014. Maluquice? Nem tanto…
Figuras pop transformadas em celebridades políticas não é novidade em tempos de Tiririca, Romário, Agnaldo Timóteo, Arnold Schwarzenneger ou pra buscar mais lá atrás, Cicciolina e Ronald Reagan.
Isso me lembra ainda uma crônica que li faz tempo – não lembro o autor, mas para dar credibilidade a este post vou atribuir ao Luis Fernando Veríssimo – em que uma dupla de amigos conversa num futuro próximo e a presidente da república é a Sasha Meneghel e o vice, Sandy e Junior (não, não são duas pessoas, mas a entidade).
O passeio todo aí de cima é pra tentar entender como a construção de uma imagem pop pro Obama é tão, ou mais importante que suas ações políticas. O fato do próprio Obama encenar a sketch torna isso ainda mais complexo. Isso deixa claro que pra conquista do voto, a função política está em segundo plano e os espaços políticos são cada vez mais mainstrem e portanto cada vez menos efetivos. Duas coisas ficam ainda mais evidentes, o “fim da ideologia” e o estado lacaio do poder econômico. Logo, a manutenção de figuras populares nos espaços políticos mantém a confiança do público/eleitor/cidadão na manutenção do status quo. Assim, governos viram reality shows e as eleições um paredão, em que mais se decide quem sai do que quem fica (ou vice e versa).
Mas, como no BBB, com os brothers já eleitos, o que pega é saber quem vai ser o líder e por enquanto Joaquim Barbosa tá nas graças do povo.

PS.: A foto do post é do fotógrafo Terry Richardson, o “fotógrafo das celebridades”.

Preconceito não se resolve com preconceito!

Latuff

Na última semana eu fiquei impressionado com a quantidade de pessoas, principalmente os colegas que compartilharam com efusividade o tal “estudo” da Universidade de Ontario que “liga o preconceito a pessoas de baixo QI”. Pra começar, que os títulos dessas matérias apontam para o “baixo QI” e depois seus conteúdos destacam a “baixa escolaridade”. A quantidade de problemas e confusões num texto/pesquisa/estudo desses é doentio. Os testes ou índices de medição de QI são no mínimo perniciosos, principalmente para as teorias que se tenta difundir atualmente a partir de conceitos sócio-interacionistas, que tentam destruir os princípios inatos da cognição valorizando os conhecimentos da diversidade. Logo que pra qualquer indivíduo que defenda ou se aproxime propostas progressistas de educação, conhecimento ou saber, se valer, para qualquer que seja o objetivo, de conceitos tão atrasados é quase reacionário. A sugestão, ou associação, fica ainda mais perversa se levadas em consideração doenças ou síndromes que afetam o QI. Seria o mesmo dizer que pessoas portadoras alguma deficiência que afete a cognição são, por condição física/biológica, atrasadas, conservadores e preconceituosas.

Pela boa intenção, alguns podem ter entendido que a proposta, ou a pretensa resposta, poderia ser de que uma boa educação traria resultados positivos fazendo uma frente opositora ao preconceito. Mas aí buscamos os últimos duzentos anos de existência da educação/escola como conhecemos e a primeira conclusão é de que não adianta construir escolas, é preciso refundar a educação. Por conseqüência, o pensamento anterior nos leva a entender que mudar a escola sem mudar a sociedade é irrelevante. Sem esquecer que colocar nossas crianças no modelo educacional atual, tendo como exemplo os considerados de excelência, nos levarão ao ápice da competitividade, com um ensino que prepara para o desespero e a concorrência. E é nesse momento de concorrência que as ferramentas de subjugação adquiridas através da educação poderão ser insuficientes e dispositivos complementares deverão ser desenvolvidos, como o preconceito.

O que me alarmou foi o tom que carregavam os comentários. Quase uma comemoração em saber que “uma pesquisa” aponta que aqueles que pensam diferente de você são mais burros. Ainda que pareça divertido sabotar alguém que carrega a excrescência do preconceito consigo, considerando-o mais burro. Mas essa é uma falácia notável empiricamente. Facilmente se percebe os redutos conservadores dentro da classe média e em setores que detém poder aquisitivo. Se o resultado da pesquisa é verdadeiro, a piada brasileira sobre a Classe Média – classe média sofre – perdeu a graça e o sentido. Hoje, no Brasil, o núcleo do conservadorismo e da reacionaridade é a classe média – notadamente – que freqüenta as faculdades, compõe a maioria dos setores de profissionais liberais e consome material cultural. Acreditar numa pesquisa dessas é o mesmo que dizer que as favelas brasileiras são as principais consumidoras da revista VEJA.

De fundo, o que se resume pelo “estudo”, é que as classes mais baixas estão mais propensas ao conservadorismo do que os setores que dispõe de educação. Quando nem de longe é verdade. Basta ver as últimas campanhas presidenciais. A esperança depositada pelo povo pobre do país num governo de esquerda, derrubou três campanhas ardilosas e reacionárias amparadas pela burguesia nacional. Ainda que os resultados desse governos mereçam grandes críticas, é evidente que os eleitores do Brasil – que notadamente é um país deficitário em educação – se voltaram contra propostas conservadoras e apoiaram o governo que propôs um plano nacional de direitos humanos que previa a descriminalização do aborto, o casamento homoafetivo, criminalização do preconceito, apoiou as cotas, a distribuição de renda e os programas sociais. Mais uma vez, sobra críticas para esses programas e seus destinos e fins, mas fica a reflexão para entender o que buscavam os eleitores dos último dez anos.

Impossível não observar que em sugestões de que ideais conservadores sejam mais burros que os ditos “liberais” ou “progressistas”, reside um forte apelo preconceituoso, até – sem exagero – protofascista. Valorar, ainda mais de forma intelectual, conceitos políticos acerca da realidade coloca o crítico num patamar superior, numa condição de “mais saber”, mais intelegência e portanto subjuga, oprime e exclui o conservador. Isso não é uma defesa ao conservadorismo, mas um alerta para perceber que o que nos oprime e nos divide não reside na inteligência. Essas observações jogam para baixo do tapete os reais motivadores da exploração.

Como deu para notar, fica fácil a relação entre o baixo Qi e a baixa renda, entre a baixa escolaridade e a pobreza. Me parece que a associação é inevitável. Por conseqüência, inevitável a sugestão de culpa da condição atual de atraso para os mais pobres. E aqui qualquer relação entre os adjetivos se torna coerente. Mas quantos já viram ou compartilharam ídolos, mestres e gênios oriundos das porções mais pobres do mundo? Não há burrice por falta de escolaridade. Há falta de escolaridade. Há falta de oportunidade, injustiça social e desigualdade, o resto todo é preconceito.

O espírito de conservação pode até existir entre os mais pobres, mas não o conservadorismo. Dá pra dividir as duas expressões. O explorado, o oprimido, o excluído não quer explorar, oprimir ou excluir, quer sair da sua condição. Mas se a condição social atual não lhe permite saídas que não seja repetindo o sistema imposto, qual sua saída? Qual sua alternativa? No entanto, o explorador, o opressor não quer alternativa alguma, quer a manutenção, o conservadorismo. A conservação, portanto, se converte numa alternativa cruel que se reproduz como única saída para o indivíduo mudar a sua realidade. E isso não é burrice, é necessidade. Nesse processo, o preconceito converte-se numa ferramenta subjetiva, antiga, agressiva e gratuita para tornar esse processo ainda mais cruel e doentio.

Pra finalizar, pouco me preocupa a pesquisa em si. Pra que eu não considere uma total tolice, relevo com atenção para a simplificação de dados (rasteira e sensacionalista) da maioria das matérias de jornalismo “científico”. Como disse um dos coordenadores do trabalho: “A pesquisa é um estudo de médias de grandes grupo”. Logo que uma simples pesquisa não pode colocar de lado mais de duzentos anos de trabalho de vários dos maiores pensadores da nossa história e dos revolucionários que lutaram pela mudança da sociedade, principalmente (de modo particular) aqueles que definiram e nos propuseram o socialismo. Foi a partir desses ideais de igualdade e pelo fim da sociedade de classes que chegamos hoje a várias considerações, inclusive como esta.

Me preocupa que leituras como essas, ditas científicas, para a sociedade atual, sejam de fato conservadoras e preconceituosas. De fundo se revelam modelos reformistas de lidar com a atual sociedade, onde se quer mudar cenários pequenos e individuais, sem tocar no real problema da sociedade: o capitalismo. Por conseqüência, isso é preconceituoso. De forma indireta, dá direito a alguns de participar de uma outra sociedade, enquanto a outros cabe a culpa e a responsabilidade. Logo não deixa de demonstrar sua face mais cruel, invertendo os papéis e culpando os que mais sofrem pelos problemas que não foram criados por eles. O cenário de crise mundial, demonstra francamente isso e também explica, em parte, a insurreição de pensamentos conservadores, extremistas e preconceituosos. Me preocupa que companheiros diluam suas lutas em modelos que mais distribuem culpas do que agreguem forças contra nossos reais inimigos: a burguesia e esse sistema perverso conservado por eles que chamamos capitalismo.

“Reformar o capitalismo é igual a perfumar merda”
Li por aí.

Pára o mundo que… ele tá no lugar errado e na hora errada.

Silva e Minotauro

Ontem o Sakamoto deu uma certeira (pra variar) sobre a agressão que um jovem de 27 anos sofreu de dois homens na última segunda, em São Paulo. A motivação homofóbica de sempre, a covardia de sempre e os personagens de sempre. O agredido, um homossexual (agredido por ser homossexual). Os agressores, um empresário e um personal trainer de 25 e 27 anos (classe média em cada sulco da impressão digital).
A história vai se repetindo, assim como as reações, como as que o próprio Sakamoto destacou no texto:
“Foi agredido, apanhou. Apanhou de besta. Se tivesse seguido o caminho dele não teria apanhado.”
“Foi uma agressão normal, como qualquer tipo de outra agressão que acontece no trânsito de São Paulo.”
“Ele mexeu com as pessoas erradas, no lugar errado, no momento errado. E foi agredido. Aprende, nunca mais mexe com ninguém na vida.”

E até aí eu concordo com o Sakamoto. Até aí porque lá nas finaleiras ele dá uma dentro e uma fora:
“Por fim, como aqui já disse Claudio Picazio, psicólogo, especialista em sexualidade e violência doméstica, o homem precisa começar a entender que tem direito ao afeto, às emoções, a sentir. Passar a ser homem e não macho. O homem é programado, desde pequeno, para que seja agressivo. Raramente a ele é dado o direito que considere normal oferecer carinho e afeto para outro amigo em público. Manifestar seus sentimentos é coisa de mina. Ou, pior, é coisa de bicha. E bicha tem que ser exterminada pois subverte a figura que se espera do homem.
Bruno, Diego, já passou da hora de vocês saírem da sua zona de conforto e começarem a viver sem medo. É duro ouvir isso, mas o mundo não gira em torno dos pênis de vocês. Agora vai depender da competência do advogado caro que suas famílias irão contratar, mas – sinceramente – espero que fiquem o tempo suficiente longe do convívio social para poderem pensar e refletir bastante a respeito.”

Isso aqui não é não é necessariamente uma crítica ao texto ou a opinão, eu concordo. Mas eu fico cá no meu mundinho de 13 polegadas pensando se é essa a resposta que uma atitude dessas merece.
Comentários net afora em solidariedade ao rapaz agredido, tem – seguidos das doces mensagens de apoio – petardos como “apodreçam na cadeia”, “tem que matar uns caras assim” e por aí vai. E dá pra se incluir fácil nesse time, ou vai dizer que você que se indignou a notícia também não teve, escorregando pela mente, uma pontinha de desejo de vingança. É mais ou menos isso que eexpressa a imagem que ilustra o post, que circula nas redes sociais com a legenda: “Homofóbico: Vai lá, chama de veado.” [Pra quem não reconheceu, os dois da foto são os campeões de MMA, Anderson Silva e Rodrigo Minotauro.] Ou seja, “não vem com agressão pra mim, que eu tenho as mesmas armas que você”.
A resposta do Sakamoto, assim como acho que a minha seria, é aquela que pode ser tão reacionária quanto a agressão, cabe dentro dos limites da aceitação, mas que deseja uma certa dose de violência como resposta. O olho por olho.
Por agora eu vou morrer na pergunta, porque tenho certeza que sozinho eu não acho a solução: é essa a resposta que atitudes como essa merecem? E lógico que atos como esse não podem passar impune. Mas um problema que tem origem “nessa sociedade” não pode encontrar sua solução “nessa sociedade”, se é que me entendem. Essa solução talvez exija um pouco mais além de leis e dispositivos criados pelo mesmo sistema que criou o problema.
Mas esse texto é sobre a “ciência da persistência versus a preguiça e a descrença” e talvez BNegão esteja mesmo certo e o processo seja lento, mas ele precisa de neurônios, não de músculos.

Os fãs de Radiohead e mais um ‘DVD’ colaborativo…

Radiohead Roseland

Seguindo a onda do Projeto Raindow, que compilou os vídeos das câmeras e celulares dos fãs durante a passagem do Radiohead pelo Rio e Sampa em 2009, um grupo de Nova York lançou essa semana o show dos ingleses de 2011, da turnê do The King of Limbs no Roseland Ballroom.
A fórmula é a mesma, colaborativa e multi câmeras, mas com o áudio de fonte única. E a distribuição segue a regra, dá pra baixar os .VOBs do DVD, a arte e mais alguns penduricalhos tudo de graça lá no blog da produção.
Ou dar play e vidrar em quase duas horas de RDHD ao vivo… porque a gente nuca cansa.
Mas é claro que eu não posso deixar de dar uma lambida no Raindown antes de sair. A idéia, original e que motivou isso tudo – da qual eu participei enviando meu videozinho e que já virou até trabalho acadêmico de conclusão de curso – não é só um pontapé de criatividade, mas é também um fenômeno da cultura contemporânea. Assim como o Radiohead cutuca frequentemente o mercado fonográfico, os reflexos nos fãs da banda puxaram o tapete da distribuição audio-visual e da criação de conteúdo multimídia, principalmente (ou quase unicamente) na internetz.
Um pouco antes de se despedir, Chico Science dizia que nós entrávamos num período em que estávamos prestes a consumir a música feita por moleques cerrados em seus quartos. Assim como David Lynch aponta para o futuro do cinema. Acontece que isso já acontece. O clichê do futuro é agora, é um tanto quanto nonsesse prum muleque de 15 ou 16 anos, já que o presente mal dá tempo dele lembrar o passado.
Mais interessante ainda é que idéias colaborativas como a do Raindown e do DVD Roseland se dão a partir de uma banda icônica, que mudou o contexto musical recente e as bases da música pop mundial e advém de um disco que foi distribuido de graça na rede e outro que abdicou do formato físico. E ambos se tornam registros históricos no clique do video stream.
E em tempos de TeraPixels e Full Glacê HD o Raindown é um marco de um período em que se consome o próprio cotidiano via Estragam e o sonho de consumo é a fama. Mas é o outro lado da moeda. Onde consumimos nossa própria produção – essa é a parte boa.
Pra quem acompanhou isso de perto (ou leia-se, esteve vivo e conectado nos últimos dez anos) viu que passamos de andróides paranóicos a travessas giratórias e hoje “Aqui estamos nós / Para baixar seus preços / Te darmos de comer aos cães / pro Daily Mail”.

O mapa da segregação democrática nos EUA em 2012

Tropecei nesse mapa aí esses dias e fiquei de cara. Cerca de 150 anos não mudaram muita coisa em alguns aspectos estadunidenses. O cara aí comparou quais eram os territórios que lutavam pela manutenção da escravidão às vésperas da Guerra da Secessão, os estados que mantinham leis segregacionistas nos anos 50 e a divisão dos votos entre democratas e republicanos através dos estados nas eleições presidenciais de dias atrás. Surpresa? A mancha conservadora que arrasta a perna coxa da segregação racial desenha no país o mesmo mapa de um século e meio atrás.
Agora, por outro viés, o pragmático, na perspectiva político-econômica Obama e Romney não se distanciaram muito, estavam muito mais próximos do que seus discursos tentaram mostrar. O que faz pensar que esse conservadorismo proto-fascista não é um gene defeituoso dos republicanos e está mais pruma influenza sazonal e letal, que se propaga assim, no ar – quando não há outro pra respirar.

Mano Brown, Marighella, Pinheirinho e o caminho da revolução nos anos 10

Somado, o título desse post aponta pruma resposta. Mas como diz o Žižek, o que nos falta é a pergunta. Ainda na mira do esloveno, essa onda pré-revolucionária mundial dos anos 10 nos enche de uma paixão egoísta pelo momento, pelo gosto bom de ocupar e levantar bandeiras, sem observar o que de fato isso muda o nosso cotidiano seguinte. O imdediatismo dos nossos dias pode fazer com muitos acreditem que isso já é a revolução.
Aí, Mano Brown chega com um comparativo inusitado e certeiro: “O Brasil tá em transição. O Brasil ainda não sabe se ele é um país moderno ou um país em 1962”. É por isso que os movimentos sociais do Brasil são o outro lado da moeda. O lado que precisa mudar o cotidiano e mantê-lo diferente. Daí que um occupy no Brasil não é em praça, nem nas ruas, mas corre atrás de moradia, de teto, de reforma agrária e urbana. E mesmo que os olhos brilhem diante do Zuccoti Park ou na praça da Catalunha, mas é no Pinheiro que o sangue corre.

Segue um trecho do texto do Bruno Paes Manso publicado noutro dia no Estadão, com uma outra olhada sobre o que é esse Marighella dos Racionais. Lá embaixo vai um vídeo da produção do clipe na Ocupação Mauá, tratada por alguns como o novo Pinheirinho.

Como se não houvesse muito mais a rimar e declamar, as músicas dos Racionais minguaram e nenhum álbum relevante foi lançado em dez anos. No mesmo período, as periferias foram dominadas pelo funk e pelo pancadão, celebrando o consumo e o prazer em excesso proporcionados pelo sexo casual e pelas drogas. Os anseios da geração de jovens das periferias ficaram mais próximos aos dos jovens da classe média paulistana.

Na voz de Brown, não se trata de Marighela, “assaltante nato”, nem do comunismo, nem dos operários. Mas da revolta, da raiva contra o sistema, dos “correrias”, perseguidos e descriminados, mas com procedimento, devotos do ódio, protagonistas de uma vida sem sentido, que criam meios violentos para suportar a vida na sociedade violenta.

Marighella é a metáfora que revela as aspirações da geração urbana dos garotos perdidos, enrolados na carreira criminal que escolheram. Filhos de migrantes, nascidos nas grandes cidades, onde negaram a cultura rural dos pais para inventar os próprios caminhos.

Por falar em Radiohead… os quinze anos do OK Computer

OK Computer Floppy

Esse ano o cajado de Moisés do Radiohead tá debutando… faz quinze anos que o quinteto inglês fincou o pé no cultura pop recente e mudou a forma de muita gente da minha geração ouvir e fazer música. Particularmente, esse é um dos discos que mais marcou minha vidinha audiófila. Um daqueles discos que sempre te surpreendem, te remetem às lembranças marcantes e que você salvaria da sua casa em chamas.
A data de soprar velinhas é 16 de junho, dia em que o disco foi lançado no Reino Unido, mas há os que vão dizer que a data correta foi dia 3, mais precisamente às 18h e 57min. Isso porque na contracapa do disco consta a inscrição 18576397, que seria o momento em que o álbum ficou pronto (ou seria 6 de março?). Essa é só mais uma das especulações e que no caso de um disco conceitual como OK Computer às vezes faz sentido.
Eu sempre falo que é possível ler uma trilogia somando os seguintes Kid A (2000) e Amnesiac (2001). OK Computer é a parcela humana, Kid A é a própria máquina e Amnesiac é alguma coisa que ficou perdida, esquecida e fragmentada entre as duas, (o que faz referência até mesmo ao modo de produção do álbum, realizado concomitante com Kid A – porém não um disco de sobras) talvez nós mesmos.
O que vale mesmo é que os discos vão se completando na expressão do Radiohead como um expoente do próprio Zeitgeist, afundado em todas essas relações simbólicas que nós apelidamos de pós-modernidade, e OK Computer é o estopim de tudo isso. Os referenciais icônicos da própria música, pela influência ou pela citação como o par se cumprimentando de Wish Were Here do Pink Floyd, uma das “origens” dos discos conceituais. Na estética, amparada nos trabalhos de colagens de Stanley Donwood ou na disposição das letras no encarte onde as canções tem as letras “desorganizadads” em contraposição à justa ordem da máquina de Fitter Happier (que aliás, é sub-apresentada na tracklist). Na nova relação com a distribuição, minando os limites da música com o disquete que acompanhou algumas edições e que trazia alguns wallpapers com a arte do disco (que é esse que tá lá em cima e cujo conteúdo dá pra baixar aqui). Ou na interação política/econômica/artística com a reprodução de um texto de Noam Chomsky no EP How Am I Driving, sem contar o próprio título do EP que diz muito sobre o comportamento humano contemporâneo. Isso tudo sem se aprofundar em cada canção desde o rerato pessoal de Thom Yorke em Airbag, a ironia melódica de No Surprises ou a raiva melancólica e fugitiva de Exit Music, esperando que nos sufoquemos; num filme.
Hoje é massa perceber que aquilo era só um começo… e eu me peguei de surpresa escrevendo isso aqui.
Ficou a fim? Deleite-se… We hope that you choke.